quarta-feira, 10 de agosto de 2011

HISTÓRIA DA LÍNGUA PORTUGUESA


               Sirley José Mendes da Silva*

     Cristóvão é um professor de  língua  portuguesa aposentado. Não só de português, mas também de latim e grego, disciplinas que lecionou em diversos cursos, em escolas e faculdades conceituadas. Hoje, viúvo, mora numa  casinha aconchegante, com uma varanda e, na frente, um lindo jardinzinho.  Vive cercado pelos carinhos de sua única filha, do genro e de sua também única  neta, Mariana, que é  a fina flor das garotas de Arujá, cidade que o nosso personagem escolheu para terminar os seus dias.
    Mariana é uma garota que está na casa dos seus dezoito anos.. Que alia beleza, inteligência, simpatia e educação. Estudiosa, tem enorme interesse – e nisso puxou o avô – pelas línguas, quer sejam clássicas ou modernas. Cursando o primeiro ano de Letras na USP, adora conversar com Cristóvão, do qual absorve ensinamentos que sabe serão úteis a ela na vida, hoje de estudante e amanhã de  professora ou pesquisadora.
     Numa tarde ensolarada, após a sesta, Cristóvão estava sentado na varanda, admirando a beleza das flores de seu jardim, quando Mariana entrou pelo portão e, num átimo, abraçou e beijou o avô. A presença da neta pareceu, para Cristóvão, ofuscar a beleza das flores. Era como que uma flor-menina-mulher tornasse as flores do jardim inferiores em beleza. 
      Refeito daquele estado momentâneo de êxtase, Cristóvão perguntou a Mariana:
      - A que devo a visita da princesinha?
      Mariana sentou-se em frente do velho professor, olhou carinhosamente para ele e pediu:
      - Vô, me fale um pouquinho sobre a história da língua portuguesa.
     Nem é preciso dizer, caro leitor e cara leitora, que esse é um dos assuntos prediletos do velho mestre. E em se tratando da neta, é evidente que ele tem um prazer maior em discorrer sobre o tema. E assim Cristóvão começou:
      - Para contar a história da língua portuguesa, primeiro é preciso falar da Península Ibérica e de sua romanização.
      - Península Ibérica e romanização? – admirou Mariana.
      Com a calma pedagógica de todo professor experiente, Cristóvão continuou:
      - Península Ibérica é uma região que se situa na parte ocidental da Europa; é banhada pelo oceano Atlântico. É nessa península que se encontram Espanha e Portugal.  Romanização é o processo de dominação dos romanos na península. É importante saber como a Ibéria foi romanizada, porque tanto o espanhol como o português vieram do latim, língua falada pelos habitantes de Roma.
     A moça era só atenção, parecia querer sorver cada fonema que formava as palavras do avô. Este prosseguiu:
      - Os mais antigos povos que habitaram a Península Ibérica parece que foram os cântabros-pirenaicos e os mediterrâneos  Destes surgiram iberos e daqueles, os bascos.
    Cristóvão interrompeu, por um instante, a narrativa e pôs-se a admirar um beija-flor que beijava uma rosa do jardim. Depois prosseguiu:
     - Os iberos eram povos pacíficos, que se dedicavam especialmente à agricultura; acabaram tendo dominância sobre a península. Tanto é verdade que foram esses povos que deram o nome à região: Península Ibérica ou Ibéria.
     Agora foi Mariana que se mexeu na cadeira, como a encontrar uma posição para melhor assimilar a explanação do avô.
    - Depois  vieram – continuou Cristóvão -, lá pelo século V a.C., os celtas. Estes povos, diferentemente dos iberos, eram belicosos, viviam procurando encrencas. Com o passar dos séculos, celtas e iberos se fundiram, formando os celtiberos.
    O velho mestre levantou-se, entrou na casa; voltou com uma jarra de água e dois copos. Colocou os copos numa mesinha que havia na varanda, encheu-os. Pôs a jarra na mesa, ofereceu um dos copos à neta e tomou o outro.
    - Em tempos muito remotos, gregos, fenícios e cartagineses estabeleceram colônias na península. Destes povos, é importante destacar os cartagineses, que mantiveram com os romanos uma guerra que durou de 264 a 146 a. C.: as Guerras Púnicas.
- Qual foi a causa dessas guerras e por que são chamadas de guerras púnicas? – perguntou Mariana.
     - Guerras púnicas porque púnico era o dialeto falado pelos cartagineses. A causa da guerra foi a ambição de Aníbal, general cartaginês, que pretendia expandir os domínios de Cartago. Representava, portanto, um perigo para o Império Romano. Daí a refrega que durou tanto tempo.
     - E quem saiu vencedor nessa guerra? -  inquiriu a moça.
   - Roma - respondeu Cristóvão. Atendendo ao pedido de socorro de Sagunto, cidade fundada pelos gregos e que se achava ameaçada por Aníbal, Roma resolveu mandar, em 219 a. C., seu exército para a Península Ibérica. Vencidos os cartagineses, os romanos trataram de conquistar a península. Para isso, procuraram impulsionar o progresso da região: abriram estradas, criaram escolas, os serviços de correio, organizaram o comércio. A verdade é que no ano 25 de nossa era, a península estava totalmente romanizada, já fazia parte do Império Romano.
      - E o que tem tudo isso a ver com a língua portuguesa, vô? – perguntou Mariana.
     - Calma, princesinha! Deixe-me continuar a explanação. Na península, falava-se um dialeto local. Esse dialeto foi, com o passar do tempo, misturando-se com o latim, formando o que se convencionou chamar de romance, isto é, falar à moda de Roma. Como a península era muito grande, em cada região surgiu um romance diferente. Foram desses romances que nasceram as línguas espanhola e portuguesa.
       Cristóvão fez uma leve pausa, passou a mão pela testa e continuou:
      - Mas é preciso saber que havia em Roma duas modalidades de latim: o latim clássico – sermus classicus, urbanus ou eruditus – falado pelas pessoas cultas: escritores, poetas, oradores, etc, e o latim vulgar – sermus vulgaris, plebeius ou rusticus – falado pelo povão.
       Cristovão fez mais uma pausa e prosseguiu:
      - A conquista da Península Ibérica foi realizada por soldados, seres geralmente incultos e que falavam o latim vulgar. Foi esse tipo de latim que se misturou com os diversos falares regionais e deu ensejo à formação dos romances.
      - Peraí, vô! – interrompeu Mariana. Se o latim vulgar era falado pelo povão, então era um latim errado, como hoje o português do povão é um português cheio de erros.
       - Não é bem assim, princesa. Considerar o português ou o latim do povo como errado é um grande preconceito. O que acontece é que esse tipo de português ou latim não segue as mesmas normas seguidas pelo português culto, pelo latim clássico. É preciso colocar as coisas nos seus devidos lugares.
        - Tudo bem, vô! Já compreendi que o nosso português tem origem no latim vulgar que se misturou com um falar regional. Mas que região foi essa e como se deu essa evolução?
         - Princesinha impaciente, preste bem atenção!
         Cristovão bebeu mais um pouco de água e continuou:
         - O domínio romano na Península Ibérica durou até o século V d. C. Nesse século, a Ibéria foi invadida pelos bárbarosvândalos, suevos, visigodos. Povos extremamente belicosos, destruíram as grandes obras realizadas pelos romanos. Fecharam escolas, pois achavam que a instrução afeminava o homem. Enfim, os bárbaros tinham uma cultura inferior à cultura dos peninsulares.
        - E esses bárbaros ficaram na península por muito tempo?
        - Por cerca de trezentos anos. No século VIII, os árabes, vindos do Norte, comandados por Tárique, atravessaram o estreito de Gibraltar e desembarcaram na península. Com um exército mais poderoso e mais bem organizado, levaram de vencida os bárbaros e tornaram-se senhores de toda a Ibéria. O último e definitivo combate ente mouros (outro nome pelo qual eram conhecidos os  árabes) e bárbaros deu-se , no ano de 711, às margens do rio Crissus ou Guadalete.
- E os árabes eram ignorantes como aqueles bárbaros? – perguntou Mariana.
        - Não. A cultura árabe era muito superior à dos peninsulares. Os mouros protegiam e incentivavam as artes, as letras, as ciências. Incrementaram a medicina, a matemática, a filosofia, a agricultura, o comércio, a indústria. Grandes sábios, como Avicenas e Averroes, difundiram o saber por toda a região.
            - Ainda bem! – proferiu a moça.
          - Apesar de sua elevada cultura, os árabes não conseguiram impor aos peninsulares nem a religião nem a língua. A despeito de dominados, os povos da península continuaram a falar o romance – que, como já falei, era o latim vulgar já modificado – e a seguir a religião cristã.
- Legal, vô!
- Mas, apesar da diferença de raça, língua, religião e costumes, uma pequena parte da população peninsular resolveu adotar a civilização árabe. Esses peninsulares ficaram conhecidos por moçárabes.
Agora foi a vez de Mariana tomar mais um gole de água. Feito isso, a moça perguntou:
- Assim como os moçárabes, todos os habitantes da península aceitaram passivamente o domínio dos árabes?
- Na verdade, os peninsulares nunca aceitaram de todo o domínio mouro; acalentavam sempre o sonho de expulsar os muçulmanos de suas terras.
- Vô, não eram os árabes ou mouros os invasores? Agora aparecem os muçulmanos?
- Calma, princesinha! Muçulmanos é outro nome que se dá aos árabes ou mouros. Isso porque eles praticavam  a religião muçulmana, ou seja, a religião de Maomé, cujo deus é Alá. Mas isso é outra história.
- Ah, bom!
- Então os cristãos, chefiados por Pelágio, organizaram um exército, que se refugiou nas montanhas das Astúrias, dando início à campanha pela reconquista. Os sucessores de Pelágio continuaram a luta pelos séculos a fora. Os mouros só foram expulsos definitivamente, em 1492, pelos reis católicos Fernando e Isabel, respectivamente de Castela e Aragão. A batalha final e decisiva ocorreu em Granada.
- E Portugal, onde entra nessa história?
- Princesinha apressada, tenha paciência, que vou chegar lá.
Um lindo canarinho pousou num dos galhos da roseira. Depois de admirar o pássaro por um instante, o velho professor prosseguiu:
- Um dos reis que maiores esforços despendeu na luta contra os mouros foi Afonso VI, de Leão e Castela. Esse rei chegou a contratar exércitos de outras terras para ajudar-lhe na luta  Entre esses exércitos contratados estava o de D. Henrique, natural de Borgonha, região do sul da França.
- Interessante – aparteou Mariana.
- D. Henrique de Borgonha prestou tão relevantes serviços a Afonso VI, que este, reconhecido, ofereceu àquele, como recompensa, a mão de sua filha bastarda, D. Tereja, e um pequeno condado, chamado Condado Portucalense, que foi desmembrado da Galiza. Esse condado, a princípio, estendia-se do rio Minho até o rio Vouga; expandiu-se a partir de 1095 até a foz do rio Tejo.
- Esse condado é hoje Portugal? – perguntou Mariana.
- Em parte – retrucou Cristóvão. Posteriormente, no século XIII, Portugal, firmado como nação, expandiu-se para o sul até o Algarve, constituindo o que é hoje o País. Mas espere, princesinha!
Cristóvão levantou-se, pegou a jarra, que se esvaziara; entrou na casa; voltou com a vasilha cheia novamente. Depois de beber o precioso líquido, no que foi seguido pela neta, continuou.
- Do casamento de D. Henrique de Borgonha com D. Tereja, nasceu um menino, que se chamou Afonso-Henriques. Com a morte do pai, Afonso-Henriques, já moço feito, desentendeu-se com a mãe, porque esta pretendia se casar, em segundas núpcias, com o nobre D. Fernão Peres de Trava, de Castela. Tal casamento, segundo a visão do filho, representava um perigo às pretensões de independência do Condado Portucalense. Então as forças partidárias do jovem entraram em luta com as forças de D. Tereja, auxiliadas estas pelas tropas do nobre castelhano.
- Que triste! – comentou a moça.
- Da refrega, saíram vencedoras as tropas de D. Afonso-Henriques. A batalha decisiva ocorreu em Ourique. Estava-se em 1139. Após a vitória, os soldados vencedores desembainharam suas espadas, levantaram-nas para o alto e bradaram: “Em nome de Deus, viva D. Afonso-Henriques, rei de Portuga!”. Nascia, assim, uma nova nação no cenário europeu. A independência portuguesa foi reconhecida em 1143, pela Conferência de Zamora.
            - Tudo bem – interveio Mariana. E a língua portuguesa?
            - Ainda há pouco, falei que o latim vulgar misturou-se com dialetos locais dando ensejo à formação dos chamados romances. Na região da Galiza e do Condado Portucalense, falava-se um romance conhecido como galeziano ou galaico-português. Com o surgimento de Portugal como nação livre e com sua expansão para o sul, o dialeto falado em terras lusas foi se modificando cada vez mais daquele falado na Galiza. Enquanto o galeziano era absorvido pelo espanhol, o português se erigia como língua oficial de um povo livre.
            - E é o português que falamos hoje! – completou Mariana.
            - É, mas com algumas diferenças.
            - Como assim?
       - Do mesmo modo que o latim vulgar, em contato com falares regionais, tornou-se romances e depois se transformou nas línguas neolatinas, estas também foram modificando-se com o transcorrer dos tempos. Assim o português de hoje é bastante diferente daquele falado no início. Toda língua é dinâmica, modifica-se com o passar das gerações.
            Agora foi a vez de Mariana encher seu copo e o do avô de água. Depois que os dois beberam, Cristóvão continuou:
            - Segundo o lingüista português José Leite de Vasconcelos, nossa língua compreende três eras: a pré-histórica (que vai do tempo de romance até o século IX); a proto-histórica (período que vai do século IX até o século XII e em que a língua era apenas falada e não escrita) e a histórica que se estende do século XII até a atualidade. A era proto-histórica viu surgir, em 1189, o primeiro documento escrito da língua portuguesa: a Cantiga da Ribeirinha (ou Canto de Guarvaia), cantiga de amigo escrita por Paio Soares de Taveirós, em homenagem a D. Maria Pais Ribeiro (apelidada Ribeirinha), amante do rei D. Sancho I.
            - É? – admirou Mariana.
              E o avô continuou:
       A era histórica, por sua vez, ainda de acordo com os estudos de José Leite de Vasconcelos, está dividida em duas fases: a arcaica (que vai do século XII ao século XV)  e a moderna, que se estende do século XV até hoje. Foi no início da fase moderna que surgiram nossas primeiras gramáticas - a do pe. Fernão de Oliveira (1536) e a de João de Barros (1540). Mas a grande obra dessa fase foram Os lusíadas, poema épico escrito por Luís Vaz de Camões, verdadeiro monumento artístico da língua portuguesa.
           - Vô, além de Portugal e Brasil, que outros países falam atualmente a língua portuguesa? - inquiriu Mariana.
          - Minha princesinha, o português é, hoje, língua oficial de oito países: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste.
            Mariana levantou-se, foi até o jardim, colheu uma lindíssima rosa branca e entregou ao avô, abraçando-o e beijando-lhe a testa. Depois assim se manifestou:
            -Vô, o senhor é a pessoa mais linda e inteligente do mundo. Deus queira que um dia eu tenha a metade da sabedoria que o senhor tem.
            Lágrimas de emoção rolaram pelas faces do velho professor.


REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Gramática latina, 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2000
BUENO, Francisco da Silveira. Estudos de filologia portuguesa, 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1967.
CARVALHO, Dulce Garcia; NASCIMENTO, Manuel. Manual de gramática histórica, 12. ed. São Paulo: Ática, 1977.
COUTINHO, Ismael de Lima. Pontos de gramática histórica, 7. ed. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1976.
CRETELA JÚNIOR, José. Latim para o ginásio. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1961.
OLIVEIRA, Cândido de. Súmulas de literatura portuguesa, 12. ed. São Paulo: Biblos, s.d.
PAIVA, Dulce de Faria. História da língua portuguesa. São Paulo: Ática, 1988. (v. II)
PINTO, Rolando Morel. História da língua portuguesa. São Paulo: Ática, 1988. (v. IV)
SPINA, Segismundo. História da língua portuguesa. São Paulo: Ática, 1988. (v. III)

* Sirley José Mendes da Silva é mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, doutor em Letras pela USP e professor da FAR.




terça-feira, 19 de abril de 2011

A MULHER E SUA TRAJETÓRIA HISTÓRICA


            De  Priscila Heico Ishikawa *

As desigualdades sociais existem no mundo há milhares de anos, desde os tempos mais remotos, em que prevalecia a lei do mais forte e dos detentores do poder.
Entre homens e mulheres não foi - e não é diferente - os preconceitos, as desigualdades salariais, tudo envolve certa desigualdade entre os sexos. Nos diversos contextos históricos ao longo do tempo, aconteceram fatos significativos -como, por exemplo, a Revolução Industrial, as Guerras Mundiais, a Revolução Tecnológica. Esses fatos provocaram alterações nos modos de viver, na interação social, no trabalho, enfim, em todos os aspectos da vida humana.
Os tempos atuais experimentam mudanças das mais variadas ordens. Nessas mudanças,  a mulher tem dado sua participação de forma cada vez mais efetiva. As mulheres estão conquistando cada vez mais seu espaço no mercado de trabalho, nas grandes empresas e, muitas vezes, são chefes de família.
Mas se, hoje, esse é o quadro, uma pergunta se impõe: ao longo da História terá havido uma sociedade igualitária, em que todos, homens e mulheres, desfrutassem dos mesmos  bens e das mesmas oportunidades na vida social?
As evidências históricas mostram que, desde os primórdios, a cultura humana esteve sempre intimamente ligada a ideia de distinção e de discriminação entre grupos sociais.
Na realidade em que vivemos, diante das desigualdades sociais, evidencia-se o desejo de mudanças contínuas, relativas às desigualdades socialmente estabelecidas entre homens, mulheres, negros e brancos, dimensionando-se por gênero e raça.
Para entendermos um pouco do que se passa no mundo contemporâneo, devemos levar em consideração alguns aspectos históricos que foram muito significativos.
Um dos aspectos que deram espaço para a avanço no mercado de trabalho foi a Revolução Industrial, que aconteceu no século XVIII, na Inglaterra, quando se antecipou o que seria o século XIX, com sua produção desenfreada, que não poupava mulheres, nem crianças, com o intuito ganancioso de se produzir cada vez mais.
É a época das ferrovias - em que se aumenta a facilidade das comunicações - e dos barcos a vapor - que substituíram os grandes veleiros; época também dos grandes artefatos mecânicos. Com a Revolução Industrial, tem-se a transição do sistema doméstico, artesanal, de trabalho à maquinofatura.
Dessa forma, de que modo considerar como trabalho somente a produção de bens econômicos? O que acontece com as mulheres, salvo as operárias, que não trabalham?
Em outros momentos históricos, as mulheres trabalhavam, por exemplo, no campo. Já na família camponesa, não havia divisões marcantes: todos trabalhavam de uma maneira variada e desigual. Trabalhava-se no campo e na casa. Podia-se trabalhar colhendo azeitonas; ou debulhando e assando para que aqueles que estavam arando ou ceifando comessem; ou limpando a casa, partindo a lenha, lavando a roupa, preparando a massa.
A Revolução produz uma mudança profunda. Quando a oficina familiar desaparece, o operário vai trabalhar em uma oficina coletiva, e a mulher fica em casa; ou vai trabalhar como um operário a mais, “como um homem”.
Dessa forma, ao longo dos contextos históricos, percebemos que o trabalho da mulher, seja ele realizado em fábricas, com o advento da Revolução Industrial, ou em casa, na sua jornada diária e rotineira de trabalho, não se resumia somente no “ato de trabalhar em si”, mas também envolvia outro contexto. As mulheres que gozavam de uma situação econômica e social privilegiada (que eram pouquíssimas, por certo, e constituíam a nata da sociedade) tinham em troca uma série de obrigações, trabalhos e deveres sociais. Os deveres sociais são outro tipo de trabalho também penoso, fatigante.
Dentro da história feminina, ao longo do tempo, e das desigualdades vivenciadas, pergunta-se: “O que podia ser uma mulher na Espanha, na segunda metade do século XIX?” Havia tão pouquíssimas possibilidades, que se podem enumerar. Podia ser minoritariamente uma “grande dama” (que não contava como uma profissão, mas na realidade o era, de difícil aprendizado, com complicados saberes e deveres), ama de leite, professora de escola, costureira, criada doméstica, cabeleireira, lavadeira, prostituta, e – finalmente só uma - rainha.
Dessa forma, colocamo-nos a pensar sobre alguns aspectos que, na atualidade, envolvem o cotidiano das mulheres: a) a grande maioria delas, além de trabalhar fora de casa, tem de arcar com os afazeres domésticos; b) quase sempre seu trabalho não tem uma valorização justa, ou seja, a mulher desempenha os mesmos papéis desempenhados pelos homens e recebem, contudo, uma remuneração menor. Na verdade, a mulher desempenha, na vida cotidiana, várias tarefas: é profissional, é dona de casa, é, às vezes, estudante; sem abdicar de sua feminilidade, de suas vaidades.
Uma outra questão também muito delicada e que vale ressaltar é a questão de a mulher poder exprimir o seu ponto de vista e sua maneira de pensar. No século XIX, a mulher começa a sentir o desejo de participar de diversas atividades, entre as quais, a atividade política, que até então era exercida somente pelos homens.
Ao estabelecer-se a democracia na Europa e na América, apenas alguns homens votavam os homens - em nome dos demais homens, dos filhos, das mulheres, etc..
Essa situação, parece-nos, não justificar-se. Não poderia a mulher ter suas opiniões particulares? Não poderia ela votar em quem quisesse?  A verdade é que, com o passar do tempo, a mulher adquire o direito de votar. No Brasil, por exemplo, esse direito foi reconhecido pela Constituição de 1934.
 É curioso que, politicamente, no século XX, se acentuou a diferença entre os sexos. A emancipação também é outro tema a ser considerado. No Direito Romano, a mulher estava equiparada aos filhos. A autoridade do “pater famíliae” (pai de família), era total, absoluta, e exercia-se igualmente sobre a mulher e os filhos, pelo menos na maioria dos matrimônios. Ao longo de quase toda a história, a mulher dependeu, primeiro do pai e depois do marido.
Com a entrada da mulher no mercado de trabalho, na política e na economia, a antiga imagem da sociedade tradicional, com a mulher no seu papel, de esposa, mãe, administradora do lar, educadora dos filhos, foi destruída e a discriminação ficou mais clara, visto que não se parece como as funções para as quais a mulher foi destinada, devido as suas características biológicas.
Com isso, podemos analisar como, ao longo do tempo, a mulher vem conquistando seu espaço, que não se restringe mais somente a cuidar da família. Mesmo assim ainda há discriminação social; continua-se a insistir que lugar de mulher é em casa, cuidando dos afazeres domésticos e familiares.
Nas décadas de 80 e 90 do século passado, a entrada da mulher no mercado de trabalho ampliou-se grandemente. Percebeu-se, contudo, que, embora a mulher passasse a fazer os mesmos trabalhos feitos pelos homens, estes recebiam uma remuneração bem maior do que a remuneração recebida pelas mulheres.
Constatou-se que as mulheres menos escolarizadas foram as que menos cresceram no mercado de trabalho. O número de mulheres chefes de família aumentou extraordinariamente. Pergunta-se, então, se na sociedade contemporânea, em que a mulher trabalha de maneira igualitária aos homens, e, muitas vezes, com um grau de instrução muito acima, por que essa diferença salarial?
As mulheres contemporâneas, muitas vezes, têm uma qualificação profissional superior à de muitos homens. Então por que, em pleno século XXI, em plena era tecnológica e da comunicação virtual, a mulher recebe um tratamento tão desigual, como acontecia no passado? Ainda temos que lidar com um tema que tem antecedentes históricos remotos.
Com todas as mudanças que ocorreram na história, e mesmo ainda com algumas desvantagens com relação aos homens, as mulheres conseguiram, e conseguem, ao longo do tempo, se destacar pouco a pouco. Conseguem mostrar que são capazes, tanto quanto os homens, e que não cabe só a elas o dever de cuidar da família e dos filhos e que seus sonhos e seus desejos devem ser preservados e, principalmente, realizados.
A mulher moderna trabalha, estuda, cuida da sua casa, da sua família e de si mesma. Garantiu o direito ao voto e, na maioria das vezes, contribui significativamente no orçamento familiar.
Todas essas conquistas, que venceram barreiras culturais, econômicas e sociais, estão se concretizando ao longo do tempo. Somos sabedoras de que muitas lutas ainda estão por vir; mas os primeiros passos já formam dados. Cabe então às mulheres mostrarem que não são o “sexo frágil”; que muitos direitos ainda serão conquistados e que a mudança está em processo.

REFERÊNCIAS

CARMO, Paulo Sérgio do. Sociologia e sociedade pós- industrial: uma introdução São Paulo: Paulus, 1999.
_____. O trabalho na economia global. São Paulo: Moderna, 1999.
COSTA, Cristina. Sociologia contemporânea. 2. ed. São Paulo, Moderna, 2000
KENSKI, Vani Moreira. Educação e tecnologias: o novo ritmo da informação, Campinas. Papirus, 2007.
MARIAS, Julián, A mulher no século XX, São Paulo.  Convívio, 1981
NOÉ, Alberto; BALASSIANO, Ana Luiza. A educação e as desigualdades sociais. Disponível em http://www.antroposmoderno.com/antro-articulo.php?id_articulo=242. Acesso em 05/09/2010.
TEIXEIRA, Zuleide Araújo. As mulheres e o mercado de trabalho. Disponível em http://www.universia.com.br/universitario/materia.jsp?materia=3010. Acesso em 27/09/2010.

* Priscila Heico Ishikawa é aluna do curso de Pedagogia da Faculdade de Arujá- FAR

quinta-feira, 7 de abril de 2011

POESIA E RESPONSABILIDADE SOCIAL


                                                               De Sirley José Mendes da Silva *

Muitas vezes, pegamo-nos pensando sobre a poesia, sua definição, sua linguagem, sua matéria-prima, seu objeto, seu caráter específico no concerto das artes, sua responsabilidade social, etc.. O que pretendemos fazer nas linhas que seguem é aclarar, mesmo que de modo  parcial, algumas dessas ideias.
            Como ponto de partida, uma questão se nos coloca: o que é poesia? A palavra poesia vem do grego poiesis. Este substantivo é cognato, isto é, pertence à mesma família lexical do verbo poiein, que significa criar. Logo, se nos ativermos ao étimo da palavra, poesia é criação. E sendo criação, está em todo e qualquer ser humano.
            Vista a questão por esse lado, é possível dizer que, virtualmente, todo ser humano é poeta. A poesia é condição prototípica do homem; acompanha-o desde os primórdios, seja considerando-o como indivíduo, seja como espécie. Somos, ainda que não saibamos disso, animais poéticos por natureza. A poesia faz parte de nossa essencialidade. Nesse ponto de nossas reflexões, uma pergunta se nos impõe: se isso é assim, qual a relação entre poesia e essência humana?
Segundo Edgar Morin,  pensador francês de nosso tempo (2002, p. 58),  , existem em cada um de nós dois seres que se complementam: o homo prosaicus e o homo poeticus. Enquanto homo prosaicus buscamos atender aos apelos de ordem corporal: morar, vestir, alimentar etc. Como homo poeticus visamos aos apelos de ordem mais espiritual – o lazer (curtir uma praia, admirar a natureza, ler um bom livro, ouvir uma bela música), por exemplo. Para que nossa qualidade de vida prime-se pela excelência, faz-se necessário que essas duas forças estejam em equilíbrio. Mas isso não vem acontecendo atualmente. Levados por apelos consumistas, questionáveis, estamos privilegiando o prosaico em detrimento do poético. Este, em nome de objetivos nem sempre bem definidos, está sendo empurrado para áreas marginais da existência social. No entanto, é preciso reequilibrar esses dois polos. É preciso que resgatemos o que há de poético em cada um de nós e na sociedade. Fazer isso é atender aos reclamos da responsabilidade social.
Mas de que modo levar a cabo esse mister? Como na história do beija-flor que tentava apagar o fogo da floresta levando no bico gotículas de água apanhadas de uma fonte e, quando questionado se achava que iria conseguir seu objetivo, respondeu que estava fazendo a sua parte, resgatar o poético para nossas vidas está em cada um de nós, uma vez que a criação poética é individual, está no interno de cada cidadão(ã)..
Explicitando: como criação, a poesia é individual, ou seja, leva o jeito, a feição, do indivíduo criador. Novalis, poeta do romantismo alemão (apud CAMPOS, 1978, p. 131), afirmava que poesia é um estado de alma. É, pois a alma, a interioridade do indivíduo, que transforma a poesia em poema.
Aqui, permitam-nos ponderar sobre um aspecto que parece da maior importância: essa interioridade sofre as injunções do espaço e do tempo. Como dizia T. S Eliot, - poeta americano, que depois se naturalizou inglês – (1991, p. 32-2):   “ ...nossa sensibilidade está constantemente se transformando, assim como o mundo que nos rodeia se transforma; o que sentimos não é o mesmo que sente o chinês ou o hindu, mas também não é o mesmo que sentiam nossos ancestrais vários séculos atrás. Não é o mesmo que sentiam nossos pais; e, finalmente, nós próprios já somos totalmente diferentes do que éramos há um ano”. Ou como afirma o brasileiro Júlio Praza (1987, p. 31): “Embora o signo estético se proponha como completo, ele não pode ser lançado para fora da cadeia semiótica que é a cadeia do tempo”. E acrescentaríamos também a cadeia semiótica do espaço.
Voltemos ao étimo grego, que identifica a poesia como criação. Essa volta leva-nos a mais uma questão: é correto afirmar que toda criação é poética? Num sentido lato, geral, isso é verdade. Qualquer obra que, além da finalidade prática, procura atender ao apelo estético é poesia. Assim é poesia uma casa ou um móvel que se primam pela beleza. Uma mulher quando cuida de sua aparência está fazendo poesia. Enfim tudo o quem tem por meta atender também ao Belo é poesia. Agora existe o sentido estrito, específico, que é um trabalho artístico feito com a palavra, matéria-prima da obra poética. Nesse sentido, poesia é, no dizer do teórico espanhol Carlos Buonsoño (apud CAMPOS, 1978, p. 131), “a comunicação, pela palavra escrita, de um conteúdo (afetivo-sensório-conceptual) apreendido pelo espírito como um todo, numa síntese”.
            A poesia no sentido estrito é isto: a criação, por meio da palavra,  de uma suprarrealidade, com dados profundos, singulares, da intuição do poeta. No entanto, no nosso dia a dia, ouve-se muito falar em poesia, poema, poética. Essas palavras querem dizer a mesma coisa? Permitam-nos explicitar essa questão.
Muito embora o senso comum – e até iniciados, em situações de menor reflexão - tome essas palavras como sinônimas, em rigor, elas expressam realidade diferentes. A poesia, como afirmava Novalis, é um estado de alma, uma atmosfera interior que pode até ter motivação num evento do mundo externo, mas que se plasma no mais recôndito do ser. O poema é a concretização da poesia; é o sublimar-se do estado poético num corpo verbal. Explicitando: quando lemos uma obra poética, a configuração física, a forma verbal é poema; o conteúdo, o sentimento que ela provoca em nós,  é poesia. Já a poética é a técnica de transformação da poesia em poema.
Dissemos há pouco que a palavra é a matéria-prima da expressão poética; contudo é preciso reconhecer que essa mesma palavra é utilizada na comunicação prático-cotidiana. Para deslindar esse impasse, diremos que, embora a palavra seja a mesma, seu uso é diferente num e noutro caso. Na língua prática cotidiana a palavra, uma vez utilizada, é descartada, substituída por seu sentido. Quando dizemos, por exemplo, ”Levante”, qualquer indivíduo que dispuser a cumprir essa ordem só poderá ter o mesmo procedimento. No poema é diferente. Paul Valery, poeta e crítico francês, assegurava (s.d., p. 213)  que “O poema (...) não morre por ter vivido; ele é feito expressamente para renascer de suas cinzas e vir a ser indefinidamente o que acabou de ser. A poesia reconhece-se por essa propriedade; ela tende a se fazer reproduzir em sua forma, ela nos excita a reconstituí-la identicamente”. Isso quer dizer que o leitor de poemas é também um co-autor. Pelo caráter ambíguo da palavra poética, poeta e leitor seguem os mesmos caminhos, só que em sentidos inversos.
            Nesse ponto destas reflexões, mais uma questão se nos impõe: qual é a finalidade da poesia?
A poesia tem uma finalidade sem fim. Por outras palavras, uma finalidade voltada para ela mesma. Para entendermos bem essa ideia, vamos servir-nos novamente de Paul Valéry (ibid., p. 212). O autor de Cemitério marinho contrapõe a prosa à poesia e as compara com o caminhar e o dançar. O caminhar, assim como a prosa, busca uma meta determinada, uma finalidade precisa que deve ser alcançada. Já o dançar é diferente. Este é um sistema de atos que tem o fim em si mesmo. Isso ocorre também com a poesia. Ela tem um caráter centrípeto; aqui a seta está apontando para ela mesma. Sua meta é a sensibilidade de cada leitor.
Em suma, a poesia é vital para nossa subsistência, uma vez nos proporciona uma visão mais clara e esclarecedora de nosso estar no mundo. Linhas atrás, falamos do homo prosaicus e do homo poeticus. Se acharmos o ponto de equilíbrio entre os dois polos, tornar-nos-emos seres melhores pessoal e socialmente. E, sem sombra de dúvida, ajudaremos a construir uma sociedade melhor, um mundo melhor
E para fecharmos estas reflexões,  permitam-nos uma  definição pessoal de poesia. Lá vai ela: “Poesia é uma flecha que partiu do arco e, na sua trajetória, atinge pontos-alvos vários, sem, contudo, nunca atingir o Ponto-Alvo final”.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CAMPOS, Geir. Pequeno dicionário de arte poética. São Paulo: Cultrix, 1978.
ELIOT, Thomas Stern. De poesia e de poetas. Tradução por Ivan Junqueira. São Paulo: Brasiliense, 1991.
MORIN, Edgar. Sete saberes necessários à educação do futuro, 5. ed. Tradução por Catarina Eleodora F. da Silva e Jeanne Sawaia. São Paulo/Brasília: Cortez/UNESCO, 2002.
PLAZA, Júlio. Tradução intersemiótica. São Paulo: Perspectiva, 1978.
VALERY, Paul. Variedades. Tradução por Maíza Martins de Siqueira. São Paulo: Iluminuras, s. d.

* Sirley José Mendes da Silva é mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, doutor em Letras pela USP e professor da FAR.

quinta-feira, 17 de março de 2011

A IMPORTÂNCIA DOS LIMITES NA EDUCAÇÃO INFANTIL

De Lilian Fernandes Negreiros e Nárgela Martins Miranda [1]




A ideia de escrevermos esse artigo surgiu em decorrência de nossa prática pedagógica enquanto estagiárias na Educação Infantil em um bairro extremamente carente da cidade de Arujá. Essa experiência levou-nos a perceber o quão desagradável e difícil é trabalhar com crianças e adultos (tema do qual  falaremos em outra oportunidade) sem limites e regras.

Para escrevermos com clareza, respaldo e embasamento teórico, buscamos as teorias e ideias do psicólogo Yves de La Taille, com  o qual nos identificamos muito, desde a primeira vez que tivemos contato com uma de suas obras. Na verdade, os escritos e os vídeos de La Taille exerceram – e exercem – sobre nós um grande fascínio e, acreditamos, apontam caminhos para a resolução de muitos dos problemas educacionais..
Ao iniciar o estágio na Educação Infantil, percebemos a tremenda falta de limites, normas, regras, boas maneiras e, até mesmo, princípios. Isso nos levou a refletir muito e pesquisar sobre o tema em questão.
Ao lermos  os relatos de Yves de La Taille, pudemos entender que ele atribui a falta de limites hoje encontrada nas escolas e no comportamento das crianças à ausência  de princípios que permeia a convivência social e não só à inexistência de regras. Tais regras, segundo esse psicólogo francês radicado no Brasil, por si sós, não educam ninguém; é preciso que princípios sejam incutidos na criança desde pequenas. Essa tarefa cabe à família, é claro. Contudo, na nossa realidade, esse mister acaba dificultado, uma vez que as crianças, quase sempre, têm pouco contato com os pais; passam a maior parte do tempo na Escola.  Então, cabe  à instituição escolar suprir essa carência. Mas, para que esse propósito seja concretizado, a Escola precisa da retaguarda famíliar; é necessário que seja implementado um trabalho conjunto entre família e escola.
Segundo La Taille, vivemos, na sociedade contemporânea, um período de anomia, ou seja, falta de regras e limites. Dessa forma, em uma sociedade “sem valores”, as crianças ficam sem esteios em que se apoiarem. E essa situação só pode trazer reflexos negativos no comportamento do educando em sala de aula.
Mas, para usarmos uma expressão batida, parece que há uma luz no fim do túnel. La Taille afirma que vivemos em um período de transição, no qual valores antigos deixaram de existir e faltam novos valores para  suprir as necessidades inerentes à formação do ser - seja intelectual, seja moral - para obtermos um bom convívio em sociedade. Assim, acreditamos que escola e família, de mãos dadas, poderão semear os novos valores de que fala o pensador franco-brasileiro.
O que nos chamou a atenção em uma das entrevistas dadas por La Taille ao Diário do Grande ABC foi a analogia ele faz entre a falta de limites e a globalização. Tal comparação leva-nos a refletir que, assim  como o processo de globalização fragiliza os limites geográficos, políticos e econômicos nacionais, também devem trazer reflexos nos limites educacionais e na formação do ser humano. Yves  de La Taille afirma, de modo pertinente, que a sociedade contemporânea necessita redefinir vários conceitos, inclusive o conceito de felicidade. Diz que, atualmente, existe um grande vazio ideológico nas pessoas; estas confundem felicidade com consumo e glória.  Na sociedade do “ter”, o “ser” perde espaço para a aquisição exacerbada de bens de consumo. Dessa forma, os pais,  em função do trabalho,   passam pouquíssimo tempo com os filhos. Numa enorme quantidade de casos, as mães também trabalham fora e, consequentemente, não têm condições de dar a devida e necessária atenção às crianças, inviabilizando a transmissão de valores éticos e morais, indispensáveis para o bom convívio social
A fase ideal para a apresentação de princípios morais, éticos e outros, vai dos cinco aos nove anos de idade; este é o período crucial para o desenvolvimento moral da criança. Durante essa etapa, o papel dos professores, juntamente com os pais, é o de referência na construção do mundo dos valores, pois as crianças estão atentas ao comportamento e atitudes dos adultos.
Para Yves de La Taille, valores éticos e morais são sinônimos. Estes  precisam ficar bem claros para a criança; não podem ser confusos ou não existirem. Ao escrevermos esse artigo, não queremos ressuscitar as aulas de Educação Moral e Cívica nas escolas e, sim, alertar sobre o quão importante é mostrar aos alunos que,  para convivermos num ambiente saudável, são necessárias regras, normas  e limites.
Em nossas observações diárias, percebemos que a escola, como instituição que congrega educadores, educando e familiares, pode liderar um movimento no sentido de reverter esse quadro de falta de respeito que permeia a nossa vida social. Cabe à escola e aos responsáveis pelos educandos “virar o jogo”. E essa “virada”, parece-nos, só será possível por meio do diálogo, que será, indubitavelmente, uma semente bem  plantada a gerar uma maravilhosa árvore, que, no tempo certo, dará frutos bons; para tanto, é preciso que seja regada convenientemente.  
Nós, enquanto educadoras, não temos que impor e  muito menos exigir que nossos alunos sigam rigorosamente nossos ensinamentos, mas sim nos cabe a função de alertar e mostrar o caminho.
O que acontece atualmente em muitas famílias é a famosa “política  de troca”, quando induzem a criança a obedecer e ter  um bom comportamento; e, como recompensa, dão-lhe o tão desejado presente. Esse “prêmio” pode ser entendido, às vezes, como um comportamento dos pais para amainar um “sentimento de culpa”  por trabalharem muito e ficarem pouco tempo com seus filhos. Mas essa não é a forma correta de transmissão de valores. Segundo Yves de La Taille, os valores têm que ser passados com firmeza e, para ele, ética, moral e cidadania se aprendem na interação cotidiana.
Na Educação Infantil - que é nossa área de atuação -, é fundamental que sejam mostrados esses valores cotidianamente. É explicar  o porquê de nossas ações. Por exemplo, na hora de ajuntar os brinquedos, explicar que estamos fazendo isso porque pode algum amiguinho cair devido aos objetos espalhados no chão, etc.. Não devemos jamais  nos esquecer da ludicidade e  respeitar o desenvolvimento da criança; saber o que é possível e como  tornar possível a transmissão desses valores para esses pequeninos,  que formarão a  sociedade do amanhã.

REFERÊNCIAS

LA TAILLE, Ives de. Entrevista concedida ao Diário do Grande ABC. Santo André-SP. 13. dez. 2002.
_____.  Limites, valores e ética. Disponível em www.noite.wordpress.com Acesso em: 12. abr. 2009.
_____. Criança, adolescente: comportamento. Disponível em www.revistaescola.abril.com.br. Acesso em: 29. set. 2010.
www.youtube.com/watch?. Acesso em: 10. out. 2010.



[1] Lilian Fernandes Negreiros e Nárgela Martins Miranda são alunas do curso de Pedagogia da Faculdade de Arujá – FAR.

GESTÃO DEMOCRÁTICA NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA

De Irenildes Nunes de Melo e Marilza Capiche Mattar [1]



A década de 30 foi marcada por uma grande efervescência de idéias que geraram conflitos nos campos político, social e educacional. Tais conflitos buscavam romper com a velha ordem social e oligárquica, culminando, assim, com a revolução de 30, que promoveu a deposição de Washingtom Luis e a ascensão de Getúlio Vargas.   
Nesse contexto, a União toma as rédeas das Políticas Educacionais, iniciando um amplo processo de mudanças. Surge, então, o Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova, buscando o sonho da democratização da Educação e da gestão escolar, a partir da participação coletiva na construção de uma escola moderna, com autonomia administrativa tanto nos aspectos técnicos, como nos econômicos.     
            Em 1934, é promulgada uma constituição inspirada nos ideais liberais, trazendo inovações importantes e acrescentando em seu corpo itens como a família, a educação, a cultura e a segurança nacional.      
            Em 10 de novembro de 1937, motivada pelo golpe de Estado, dá-se a elaboração de uma nova Constituição. Esta tem um caráter autoritário, é embasada nos ideais fascistas, onde não havia lugar para a democracia. O processo de Educação democrática sofre solução de continuidade, representando isso um enorme retrocesso.
            A Constituição de 1937 preocupava-se com a construção de um mundo capitalista, com a preparação de mão-de-obra especializada para suprir o mercado da emergente sociedade. O Ensino ficou delegado a iniciativas individuais - associações públicas e particulares ou pessoas - deixando o Estado menos compromissado com as questões educacionais.
             Otaíza Romanelli  (2010) nos diz que, durante o Estado Novo – de 1937 a 1945 -,  “a educação deixa de ser preocupação do Estado, as conquistas anteriores e todas as novas idéias mergulham num ostracismo”.     
            No início da década de 40, durante o governo Vargas, sofríamos as consequências da Segunda Guerra Mundial. No entanto, mesmo num clima duvidoso e parcial, é criada a UNE (União Nacional dos Estudantes) e o INEP (Instituto nacional de Estudos Pedagógicos).- 1942.   
            Algumas reformas educacionais foram levadas a cabo, por decretos, durante a gestão do Ministro Gustavo Capanema, como as Leis Orgânicas do Ensino. Foi nesse período que surgiu o SENAI (Serviço Nacional da Indústria).     
            Assim o ensino primário passa a ter cinco anos, o curso ginasial quatro e o colegial, o científico e o clássico três anos, perdendo estes o seu caráter propedêutico , ou seja, preparar o aluno para o curso superior, preocupando-se mais com a formação geral. Como complemento, surge o ensino comercial, embora o SENAC só tenha sido criado em 1946. 
No período da Nova República (1946-1963)       
            A Constituição de 1946 reparou alguns senões do período anterior, como a obrigação de a União legislar as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, cumprimento do Ensino Primário. Resgata-se o preceito de que “educação é um direito de todos”, sonho contido no Manifesto dos Pioneiros da Nova Educação (década de 30).  O educador Lourenço Filho, então presidente da Comissão que redigia os novos rumos da Educação, não mede esforços no sentido de contemplar os mais lídimos anseios democráticos. São regulamentados o Ensino Primário e o Ensino Normal; criou-se o SENAC (1946). Instaurou-se também uma comissão cujo objetivo era trabalhar num anteprojeto de reforma geral da educação nacional.      
            Em 1948, o documento que regia as mudanças foi enviado à Câmara Federal e fica tramitando num ir e vir sem decisões por treze anos, até que em dezembro de 1961, a Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional, sob número 4024, foi promulgada, sem muitos sonhos, muito enxuta e privilegiando a Igreja Católica, dona de escolas particulares (apesar da ideologia de que o Estado deveria responsabilizar-se  pela educação dos brasileiros).     
            Romanelli (2010)) comenta que, apesar de tanta demora na aprovação da nova LDB, provavelmente este tenha sido o período mais fértil da história da Educação no Brasil: começam as trocas de informações educacionais e Piaget tem sua didática usada pelo educador Lauro de Oliveira Lima no Ceará.
            Em 1953, a educação começa a ser administrada por um ministério. Já em 1961, a cidade de Natal inicia uma campanha de alfabetização “De pé no chão também se aprende a ler” com a didática de Paulo Freire em Angicos, propondo alfabetizar, em 40 horas, adultos analfabetos. Nove anos depois (1962) cria-se o Conselho Federal de Educação, substituído pelo Conselho Nacional de Educação (CNE). Surge também o Plano Nacional de Educação (PNE-1962) e o Programa Nacional de Alfabetização.
No período do Regime Militar (1964 – 1985)  
É possível que seu navegador não suporte a exibição desta imagem.            Se no período anterior, muitas conquistas aconteceram com a participação de educadores que sonhavam e faziam acontecer, neste período houve uma estagnação e o tão sonhado “acabar com o analfabetismo” virou um pesadelo, pois muitos educadores passaram a ser caçados, exilados e desaparecidos.   Universidades foram invadidas e a UNE foi fechada, passando a existir na clandestinidade. O regime militar exercia o governo de imposição, antidemocrático, embora tenha sido, neste período, que mais Universidades surgiram, como também a criação do vestibular classificatório.
            Para erradicar analfabetismo foi criado o MOBRAL - Movimento Brasileiro de Alfabetização –  extinto por denúncias  de corrupção.     
            No período mais cruel da ditadura militar, foi instituída a lei 5692/71, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), tendo como marca registrada a educação profissionalizante, com interesse no aumento da produção, fato que  transforma operários em máquinas de repetição.     
            A pressão popular e de vários setores era tanta que a ditadura militar se desfez por si só, mas não herdamos um país livre e democrático, pois, os militares deixaram o governo através de a eleição indireta. Tancredo Neves é eleito, mas  morre no início da era da abertura política (1986 a 2003), assumindo os destinos da Nação o vice-presidente José Sarney.
            O país não tinha mais as práticas das discussões educacionais no sentido pedagógico e sim um caráter político, com a participação ativa de pensadores de várias áreas do conhecimento, almejando uma educação bem mais ampla, visando ao mundo globalizado.     
            O Projeto de lei da nova LDBEN (9394) foi encaminhado à Câmara em 1988 e substituído por outro em 1992. Somente em 1996 acaba sendo aprovado, após mais uma reforma feita pelo senador Darcy Ribeiro, cujo projeto foi aprovado. Embora haja divergências, sabemos que este último período foi o mais pródigo em termos de execução de projetos na área da educação, como o FUNDEF; SAEB; ENEM; PCN`s, ENC; PAIUB e outros.     
            Desta viagem que fizemos pela história da Educação Brasileira, deparamo-nos com atrocidades, ausência de democracia, mas também com educadores de enorme gabarito. O que ficou, em última análise, é a certeza de que ainda temos muito a pleitear e muito mais a fazer, participar, discutir e procurar o que é ou que há de melhor para a educação de nosso país, pois como disse o poeta “É tão bonito quando a gente pisa firme nessas linhas que estão nas palmas de nossas mãos”. 

REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituições brasileiras de 1930 a 1973. Disponível em http://www.mundovestibular.com.br/articles/2771/1/CONSTITUICOES-BRASILEIRAS-DE-1824-A-1988/Paacutegina1.html .  Acesso em: 15 out. 2010.
EDUCAÇÃO E SOCIEDADE. Campinas, v. 22, n. 75, ago.2001.
LOMBARDI, J. C. A importância da abordagem histórica  da gestão institucional. Revista HISTDBR, Campinas, n. especial, ago. 2006, p. 11-19.
MENDONÇA, Erastos Fortes. Estado patrimonial e gestão democrática do ensino público no Brasildisponível em http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101- 73302001000200007&script=sci_arttext&tlng=es. Acesso em: 23 set. 2010.
ROMANELLI, Otaíza. História da educação brasileira de 1930 a 1973. Disponível em http://www.scribd.com/doc/7418751/Constituicoes-Do-Brasil.  Acesso em:  1º  out. 2010.  





[1] Irenildes Nunes de Melo e Marilza Capiche Mattar são pedagogas, egressas do Curso de Pedagogia da Faculdade de Arujá – FAR.