sexta-feira, 3 de agosto de 2012

CONSIDERAÇÕES SOBRE CONVERSAR

Sirley José Mendes da Silva *

“Nada melhor que uma boa conversa”. Esta é uma frase que, amiúde, ouvimos nas mais diversas situações. Mas o que é uma conversa? Qual a sua importância real no contexto de nosso cotidiano, de nossas existências?
Conversar é realmente muito bom. Aprendemos - e muito - quando conversamos com pessoas experientes, que, como dizia um antigo locutor esportivo, “têm garrafa vazia pra vender”. Conversar é, na verdade, uma necessidade premente; é passar experiências. É ensinar e aprender.
Por mais pleno que seja o nosso lado interior, há nele sempre um lugarzinho a preencher-se. É conversando que passamos para o nosso interlocutor aquilo que sabemos e recebemos dele aquilo que ele sabe. E, assim, preenchemos um pouco mais as lacunas internas de quem conversa conosco e temos também as nossas próprias lacunas internas preenchidas.
Mas, sem que eu queira ser pedante, permitam-me, caro leitor e cara leitora, discutir o étimo do verbo conversar. Este verbo vem do latim conversare e significa falar, discorrer, palestrar. Contudo, a gente sempre fala, discorre ou palestra levando-se em conta um processo comunicativo que tem na outra ponta uma ou várias pessoas.
Para facilitar a minha exposição, vou usar aqui dois termos utilizados pela Linguística moderna: enunciador e enunciatário. Enunciador é aquele que fala e enunciatário, aquele que ouve o que está sendo falado. Acontece que, em todo processo comunicativo autêntico, democrático, os papéis de enunciador e enunciatário são intercambiáveis, isto é, podem ser trocados. Quem faz a vez de enunciador num dado instante pode tornar-se enunciatário no instante seguinte; e quem é enunciatário assume, então, o papel de enunciador.
            Agora considerando a etimologia do verbo conversar e considerando tratar-se de um processo de mão dupla, isso me faz pensar numa outra interpretação, esta bem imaginativa, diga-se de passagem. Mas antes deixem-me explicitar alguns pontos que me possibilitam imaginar tal interpretação.
Explicando o funcionamento da linguagem verbal, o genebrino Ferdinand de Saussure afirma que existem dois modos de relações sob os quais se lastreia o funcionamento da língua: as relações sintagmáticas e as relações associativas. As relações sintagmáticas são baseadas no caráter linear da linguagem, que exclui a possibilidade de pronunciarem-se dois elementos verbais ou duas palavras ao mesmo tempo. Esses elementos ou essas palavras só podem pronunciar-se numa sucessão temporal. As relações associativas são de caráter mental: a mente faz aproximar termos que apresentam algum aspecto comum, capta alguma relação que pode unir esses termos.
As relações sintagmáticas e as relações associativas de Ferdinand de Saussure correspondem aos dois modos de arranjos de que nos fala o linguista russo Roman Jakobson: a combinação ou eixo sintagmático e a seleção ou eixo paradigmático. Na combinação, os termos apresentam-se solidários, numa sequência linear, constituindo um contexto; e este, por sua vez, é indispensável para a passagem de uma unidade mais simples para uma mais complexa. Na seleção, o enunciador pode escolher, dentro de um rol de termos iguais no aspecto conceitual, mas diferentes no aspecto material, aquele que considera melhor para a formulação de sua mensagem.
            E então vamos a um exemplo. Suponhamos que eu queira formular uma frase simples, de três palavras apenas. Para levar a cabo esse mister, tenho a meu dispor: a) para a posição do sujeito, garoto, jovem e rapaz; para a posição do verbo, comprou e adquiriu; c) para a posição do complemento verbal, carro e automóvel. Quando eu estiver escolhendo entre esses termos aquele  que usarei para preencher cada posição, estarei operando no eixo paradigmático. Feita a escolha e organizada a frase – assim: O rapaz comprou o carro –, então, a operação se deu no eixo sintagmático.
            Então podemos afirmar que, ao falarmos ou escrevermos, ou seja, ao formularmos nossas mensagens, fazemos – mesmo que não tenhamos consciência disso – seleção e combinação de palavras, operamos nos dois eixos: no paradigmático e no sintagmático.
            Mas o que tem tudo isso com o verbo conversar?  Vou explicar já, já.  É que embalado pelas relações associativas de Saussure e pelo eixo paradigmático de Jakobson, penso no verbo conversar dividido em duas partes: com, preposição que vem da forma latina cum e que expressa companhia, solidariedade, e versar,  do latim versum, que significa volta, o outro lado.
            E daí é que, pensando no verbo conversar como acabo de expor, podemos formular a seguinte significação: conversar é voltar, alcançar o outro lado solidariamente, em companhia de alguém, com a ajuda de outra pessoa e nunca isoladamente.
            Pensando assim, ao conversar, passamos – e aqui retomo o início destas linhas - para o nosso interlocutor aquilo que sabemos e recebemos dele aquilo que ele sabe. Ou seja, preenchemos um pouco mais o vazio interno de quem conversa conosco e, ao mesmo tempo, temos também o nosso próprio vazio interno preenchido.
            E para fechar estas considerações, prezado leitor e prezada leitora – permitam-me um trocadilho: “Conversar é, realmente, um barato; e não custa caro”.


* Sirley José Mendes da Silva é mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, doutor em Letras pela USP e professor da FAR