segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

                                                                     AVALIAÇÃO          
                                                                                                                     Sirley José Mendes da Silva

Eugênia e Eulália eram duas irmãs que se amavam muito. Ambas professoras, trabalhavam na mesma escola, onde lecionavam para alunos do ciclo básico. Eugênia era mais velha e tinha alguns anos a mais de experiência. Por isso, Eulália - recém-formada e que exercia o magistério pelo primeiro ano - a tinha como mestra e sempre buscava a orientação  da irmã na resolução de quaisquer problemas, quer fossem de ordem didático-pedagógica ou de outra monta.
            Uma tarde, Eulália estava sentada à mesa que havia na sala onde as duas normalmente estudavam, preparavam suas aulas, corrigiam provas, trabalhos, etc. A moça, porém, não estava trabalhando; seu rosto, parado, dirigia o olhar, fixo, para a parede fronteiriça. Parecia estar vagando pelos recantos de uma profunda reflexão. Foi nesse instante que Eugênia entrou na sala.
            - Está pensando na morte da bezerra, Eulália? – perguntou a irmã mais velha. Ou arranjou algum namoradinho e ele, agora, está tomando conta de seus pensamentos?
            - Não é nada disso – redarguiu a outra. É que na próxima semana começo a avaliar os meus alunos e estou aqui pensando em fazer uma avaliação mais justa, que meça com mais realidade o desenvolvimento das crianças.
            - Essa dúvida, disse Eugênia, permeia a consciência de todo educador, pois avaliar é muito difícil.
            Então, Eulália, com uma voz que traduzia humildade e uma profunda vontade de aprender, assim se dirigiu à irmã:
            - Eugênia, você que tem muito mais experiência que do eu, diz que avaliar é difícil; se é difícil pra você, pra mim então... Fale, querida irmã, um pouquinho que seja, sobre o tema para essa sua irmãzinha que está começando agora e que se acha meio perdidinha.
            Eugênia contornou a mesa, puxou uma cadeira e sentou-se de frente para a irmã. Olhou fundo nos olhos de Eulália:
            - Sabe, Eulália, foi muito bom você trazer à tona este assunto: dá-nos o ensejo de fazer uma reflexão acurada sobre a questão e, assim, amadurecermos um pouco mais no mister de educadores.
            A irmã mais nova franziu o cenho interrogativamente. Eugênia continuou:
            - Avaliar é um verbo formado por parassíntese. Seus elementos formadores são o prefixo a, o radical valia e a desinência verbal ar.
            Agora foi a vez de Eulália falar:
            - Não atino aonde você quer chegar descrevendo o processo de formação do verbo avaliar.
            - Calma, queridinha! – retrucou Eugênia. Conhecer a formação do nosso verbo ajuda e, muito, a compreender a sua significação.
            Eugênia levantou-se foi até um filtro que estava em um canto da sala, tomou um copo de água; sentou-se novamente e prosseguiu:
            - O a inicial é forma evolutiva do prefixo latino ad, que significa junto de, próximo a. O radical valia contém o significado da palavra, ou seja, atribuir-lhe o sentido de valia, valor. A desinência ar, por ser verbal, expressa a ideia de processo. Então se formos levar o étimo ao pé da letra, podemos traduzir avaliar por “junto do (ou próximo ao) valor em processo.
            - Não estou entendendo, disse Eulália.
            - Vou explicar melhor, continuou Eugênia. Procure acompanhar o meu raciocínio. Pelos estudos morfológicos, ficamos sabendo que o radical é a parte que contém a significação da palavra; logo é em valia que está a significação do verbo avaliar. Mas no caso, o radical precede-se de um prefixo – a (ad), ou seja, junto de, próximo a – e segue-se de uma desinência – ar -, que denota processo. Essa estrutura do verbo avaliar me leva a concluir que avaliar é um processo que se aproxima da realidade. E, pelo caráter aproximativo e processual desse verbo, nenhuma avaliação – que é a ação de avaliar – pode ser considerada definitiva, acabada, absoluta.
            - Pensando bem – disse Eulália, depois de alguns instantes – sabe que é isso mesmo!
            - É, prosseguiu Eugênia. É por isso que a avaliação deve estar sempre presente nas preocupações de todo educador. E ter consciência desse modo de ser da avaliação é fundamental para que a apliquemos com mais justiça.
            Eulália, que agora brincava com um lápis, de repente soltou-o sobre a mesa e, ato contínuo, inquiriu a irmã:
            - Como proceder a uma avaliação com mais justiça quando trabalhamos geralmente com grupos de alunos tão heterogêneos?
            Foi a vez de Eugênia pegar o lápis que a irmã havia largado:
            - Antes de responder a sua pergunta deixe-me dizer que podemos pensar em diversas modalidades de avaliação. Um grande número de teóricos já se debruçaram sobre o tema e criaram formulações, todas elas plausíveis, válidas. Mas vou discorrer sobre uma formulação da qual eu gosto muito.
            Eulália era toda ouvido. Eugênia continuou:
            - Segundo uma professora que tive no curso de Pedagogia, existem três tipos de avaliação: a diagnóstica, a somativa e a formativa.
            Eulália, que havia estudado na mesma Faculdade da irmã, interrompeu:
            - Agora estou lembrando. Você está falando da professora Laísa. Lembro quando ela explicou isso. Também tive aulas com ela.
            Aí foi a vez de Eugênia brincar, soltando o lápis sobre a mesa:
            - Então vamos ver se você foi boa aluna. Discorra sobre os três tipos.
            Eulália não se fez de rogada:
            - Avaliação diagnóstica é aquela que se faz num início de trabalho, a fim de aquilatar o estágio em que estão os alunos com os quais se vai trabalhar.
            - Muito bem, disse Eugênia. Continue.
            - Avaliação somativa é aquela que se faz quando se quer aferir o quanto os alunos retiveram de um dado conteúdo ministrado.
            - Perfeito, sentenciou a irmã mais velha.
            - Finalmente – prosseguiu Eulália – a avaliação formativa é um tipo de avaliação que, além de avaliar, oferece também oportunidade para que o educando aprenda um pouco mais, percorra um pouco mais no caminho do conhecimento.
            - Isso mesmo – aplaudiu Eugênia batendo palmas, .E depois de uma breve pausa, disse:
            - Mas é preciso que tenhamos consciência de que esses tipos de avaliação não são estanques. Eles se complementam.
            - Como assim? -  perguntou a irmã.
            - A avaliação diagnóstica é importantíssima, pois é ela que nos vai dar a medida exata do nível em que estão os alunos com os quais vamos trabalhar.
            - Já sei – interrompeu a irmã mais nova. É a avaliação diagnóstica que vai nos proporcionar – entre outras coisas - condições para que façamos um planejamento mais consentâneo com a realidade de nossos alunos.
            - Exatamente – continuou Eugênia. Já as avaliações somativa e formativa, eu diria que uma não existe sem a outra, elas podem ser consideradas as duas faces de uma mesma moeda.
            - Explique isso melhor, Eugênia – pediu a irmã.
            - Toda avaliação somativa deve fazer acompanhar-se de uma avaliação formativa. Explicitando: toda avaliação, além de mensurar o quanto o aluno assimilou de um dado conteúdo trabalhado, deve servir para que o educando retenha e solidifique esse conteúdo e que se torne capaz de expandi-lo, quando se fizer necessário.
            - Na prática, como isso se dá? – perguntou Eulália.
            Eugênia pegou novamente o lápis, olhou fixamente para ele e retomou a palavra:
            - Quando aplicamos provas ou trabalhos com questões discursivas – com consulta ou não -, em que damos oportunidades para que o educando reflita sobre o tema proposto, estamos servindo-nos de avaliação somativa e formativa.
            - Entendi – disse Eulália. Nesse caso, estamos avaliando a quantidade de conhecimento retida pelo aluno e também abrindo caminho para que ele conheça um pouco mais daquele conteúdo.
            - Exatamente – falou Eugênia. Uma outra situação em que podem ser configuradas as avaliações somativa e formativa é quando após corrigirmos trabalhos propostos aos alunos, devolvemo-los e fazemos a correção, verbalmente ou na lousa, com eles.
            - Realmente – concordou Eulália.
            - Eis apenas dois exemplos entre os muitos que podem ser considerados como avaliação  somativo-formativa – disse Eugênia, deixando novamente o lápis na mesa.
            - Certo – falou Eulália depois de algum tempo. Mas você ainda não me disse como trabalhar a avaliação com grupos tão heterogêneos como soe acontecer no dia a dia de nossa prática docente.
            Eugênia fitou a irmã ternamente e proferiu:
            - Aí está uma outra dificuldade do processo avaliativo que sempre nos tira o sossego; mas temos de superá-la. A avaliação diagnóstica – e aqui só entendo uma avaliação diagnóstica bem feita, criteriosa -  nos dá a real situação dos alunos. Então é preciso seguir “pari passu” o desenvolvimento de cada um dos alunos, de sentir como cada um progride. Longe de estabelecer uma chegada única, ideal, o que devemos fazer é aferir a extensão do caminho percorrida pelo educando.
            - Como assim? – perguntou Eulália.
            Depois de pensar um pouco, Eugênia propôs:
            - Vamos pensar em dois alunos: A e B. Numa escala de notas de zero a dez, A saí de seis e chega a oito, depois de certo tempo de trabalho. Considerando a mesma escala e o mesmo tempo, B sai de dois e chega  a seis. Qual dos dois teve melhor desempenho?
            - B, lógico! – respondeu Eulália.
            E Eugênia, enfática:
            - Viu, mana, como avaliar é complicado e por que a avaliação deve sempre permear as preocupações de todo educador? Para mim, avaliar é uma questão em aberto, pronta para receber sempre novas reflexões, novos acrescentamentos.
            - Realmente - falou Eulália.
            E brincando:
- Agora quero avaliar você.
            Olhou pela janela a tarde clara e ensolarada.
            - Você é um sol que clareia as tardes de minhas dúvidas.
            As duas irmãs se abraçaram e começaram a preparar suas aulas para o dia seguinte.

Sirley José Mendes da Silva é mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, doutor em Letras pela USP e professor da FAR.

                                           

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

               ESCOLA, LEITURA E CRIANÇA: UMA BREVE REFLEXÃO

*Vivian Alves Sampaio Santos

         Dois temas, entre muitos outros, devem perpassar as preocupações de todo educador consciente: a leitura como recurso que leva ao conhecimento e a escola como instituição que instaura a socialização da criança e serve também de caminho condutor do educando ao saber. Por isso, estarei, mesmo que maneira sucinta, discorrendo sobre esses dois temas na linha que seguintes.
1.  OS LABIRINTOS DA LEITURA
              A leitura é parte integrante e essencial na construção singular de cada sujeito.  Ela possibilita ao indivíduo, de maneira geral, a compreensão do mundo que o cerca, permitindo-lhe entender o sentido do que está lendo,  além de potencializá-lo para que possa fazer uma correlação entre o pensamento ativo e o que está escrito.
            Nesta perspectiva, podemos afirmar que ler é produzir sentido, é transformar o indivíduo num ser capaz de entender o mundo. Não é possível haver leitura sem que haja compreensão.  Quando a leitura assume essa característica, tende a desencadear uma série de benefícios psicológicos, intelectuais e afetivos. Contribui ainda no aprimoramento das  habilidades da fala  e da escrita, assim como na formação de opinião.
            Ensinar a ler é colocar em funcionamento um comportamento ativo de construção do saber motivado por um projeto consciente, deliberado, que se estende das séries iniciais até o final da escolaridade. Sabemos que, para o processo de aprendizagem acontecer, é necessário apoderar-se de três dimensões: a dimensão afetiva, que está apoiada na experiência vivenciada pela criança; a dimensão ativa, que surge na medida em que investigamos saberes anteriores e pessoais; e a dimensão cognitiva, que acontece através das atividades de análises que devem ser constantemente confrontadas. De acordo com essas dimensões, aprender a ler só é possível lendo e frequentando locais propícios para essa prática.
 A aquisição do gosto pela leitura não é um ato espontâneo, mas depende de estímulos. É preciso que se realizem investigações profundas sobre como é possível fazer com que as crianças, mesmo na Educação Infantil, sejam capazes de desenvolver o comportamento leitor.
Logicamente descobrimos que tal comportamento é possível mediante intervenções de educadores, de maneira que estas intervenções estabeleçam estratégias eficazes no ensino da leitura.  E quando uma criança compreende o que é leitura, percebe a sua utilidade e manifesta tal entendimento ao manusear o livro, demonstrando curiosidade e motivando-se para desenvolver a aquisição deste ato cognitivo, pode-se dizer que ela está se tornando leitora.
.A aprendizagem da leitura é uma atividade que precisa ser contínua e, de acordo com a intensidade, tende a contribuir para o desenvolvimento de competências. A criança precisa reconhecer o valor da aprendizagem da leitura para a sua vida. Este reconhecimento é responsável pelo desenvolvimento do comportamento leitor, que, por sua vez, permite ao indivíduo perceber a necessidade de alcançar objetivos nesta leitura, ainda que seja meramente para conhecer o fim de uma história, obter informação, seguir instruções ou simplesmente para desenvolver habilidades de leitura para o futuro.
A escola possui um papel fundamental na difusão da prática e do hábito da leitura. Os leitores em formação são muito influenciados através de exemplos;  por isso, o professor precisa apresentar objetivos claros, definidos, que se aproximem da realidade na qual as crianças estão inseridas. Desta forma, conseguir-se-á despertar o prazeroso e necessário hábito da leitura, fazendo com que as crianças não aprendam apenas a ler, mas também sejam capazes de expressar sua identidade social e pessoal.
            A tarefa da escola é exatamente facilitar o processo de aquisição do hábito de leitura por meio de estratégias adequadas, sem perder de vista a realidade da criança.  A leitura e a escrita preparam a criança para receber conceitos e entender significados, pois aprender a ler é aprender a compreender; ensinar a leitura significa ensinar compreensão.
            E ao estabelecer objetivos para a leitura, devemos contemplar também a reflexão da criança. Com isso, estaremos levando a criança a uma prática não só cognitiva, mas também metacognitiva, que será desenvolvida na medida em que estabelecemos estratégias adequadas de leitura.
            Em suma, ao elaborar seu plano de leitura, o educador precisa atentar-se para a necessidade de desenvolver estratégias que façam com que  a leitura tenha sentido para a criança; que  desperte nela  o prazer, vindo a tornar-se, pouco a pouco, um hábito.


2.  A FUNÇÃO SOCIALIZADORA DA ESCOLA
A escola é uma instituição socializadora, uma vez que ela permite ao individuo caminhar por um mundo até então desconhecido para ele. Assim sendo, faz-se necessário pensar na sua valorização desta instituição, bem como na melhoria de suas condições e de seus recursos para que os professores desenvolvam seu trabalho com dignidade.
Na verdade, muitas de nossas escolas não apresentam condições mínimas necessárias para que desenvolvam o papel que a sociedade espera delas.  Diante desse quadro, é preciso pensar em mudança; é preciso conscientizar todos aqueles que atuam nessas escolas – gestores, docentes, pais,  etc. – no sentido de transformarem a realidade. Não se pode esquecer de que a escola é uma instituição que propicia ao individuo melhores condições de vida, sobretudo aos menos favorecidos.
 Encarando a questão por esse modo, faz-se necessário pensar em algumas propostas inovadoras centradas no professor, que passa a ser visto como um agente transformador da sociedade, como um formador de opinião. Por outras palavras, um profissional de suma importância na caminhada do educando na busca do conhecimento. O professor desempenha, portanto, um papel social de fundamental valor..  
            O professor deve ser reconhecido como um profissional capaz de concorrer para  mudanças no educando com o qual trabalha e no meio em se insere.. O bom educador sempre acompanha a dinâmica da sociedade, buscando inovar suas atitudes e comportamentos. Procura sempre estar a par das mudanças, para que possa realizar seu trabalho da melhor maneira possível.  
            Seu objetivo é levar o aluno a aprender e a entender que o conhecimento é construído também coletivamente. Nessa interação, todas as partes se beneficiam: aprendem e compartilham o conhecimento aprendido.
             O professor deve estabelecer uma conexão entre os conteúdos do currículo escolar e realidade de seu cotidiano. Deve exercer o papel de mediador no processo de ensino/aprendizagem. Sua missão é criar condições para que o educando chegue gradativamente ao conhecimento.
Em suma, devemos enxergar a instituição escolar não como um lugar fechado, mas sim como um local que muito contribui para a socialização do individuo. Um lugar onde a aprendizagem ocorre de forma livre, motivada pela paixão pela aprendizagem, pelo conhecimento. E o professor como profissional responsável pelo bom desenvolvimento da escola e, como tal, livre do dirigismo  de ideologias de segmentos sociais cujos interesses nada têm a ver com o processo educativo.

REFERÊNCIAS
HERNANDES, Fernando. Transgressão e mudança na educação: os projetos de trabalho. Trad. de Jussara Aubert Rodrigues. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.
JOLIBERT, Joset. Formando crianças leitoras. Porto Alegre: Ates Médicas, 1994.



* Vivian Alves Sampaio Santos é aluna de Pedagogia da Faculdade de Arujá - FAR