Sirley José Mendes
da Silva *
“Nada melhor que
uma boa conversa”. Esta é uma frase que, amiúde, ouvimos nas mais diversas
situações. Mas o que é uma conversa? Qual a sua importância real no contexto de
nosso cotidiano, de nossas existências?
Conversar é
realmente muito bom. Aprendemos - e muito - quando conversamos com pessoas
experientes, que, como dizia um antigo locutor esportivo, “têm garrafa vazia pra vender”. Conversar é, na verdade, uma
necessidade premente; é passar experiências. É ensinar e aprender.
Por mais pleno que
seja o nosso lado interior, há nele sempre um lugarzinho a preencher-se. É
conversando que passamos para o nosso interlocutor aquilo que sabemos e recebemos
dele aquilo que ele sabe. E, assim, preenchemos um pouco mais as lacunas
internas de quem conversa conosco e temos também as nossas próprias lacunas
internas preenchidas.
Mas, sem que eu
queira ser pedante, permitam-me, caro leitor e cara leitora, discutir o étimo
do verbo conversar. Este verbo vem
do latim conversare e significa falar, discorrer, palestrar.
Contudo, a gente sempre fala, discorre ou palestra
levando-se em conta um processo comunicativo que tem na outra ponta uma ou várias
pessoas.
Para facilitar a
minha exposição, vou usar aqui dois termos utilizados pela Linguística moderna:
enunciador e enunciatário. Enunciador é aquele que fala e enunciatário, aquele
que ouve o que está sendo falado. Acontece que, em todo processo comunicativo
autêntico, democrático, os papéis de enunciador e enunciatário são
intercambiáveis, isto é, podem ser trocados. Quem faz a vez de enunciador num
dado instante pode tornar-se enunciatário no instante seguinte; e quem é
enunciatário assume, então, o papel de enunciador.
Agora
considerando a etimologia do verbo conversar
e considerando tratar-se de um processo de mão dupla, isso me faz pensar numa outra
interpretação, esta bem imaginativa, diga-se de passagem. Mas antes deixem-me explicitar
alguns pontos que me possibilitam imaginar tal interpretação.
Explicando o
funcionamento da linguagem verbal, o genebrino Ferdinand de Saussure afirma que
existem dois modos de relações sob os quais se lastreia o funcionamento da
língua: as relações sintagmáticas e
as relações associativas. As relações
sintagmáticas são baseadas no caráter linear da linguagem, que exclui a
possibilidade de pronunciarem-se dois elementos verbais ou duas palavras ao
mesmo tempo. Esses elementos ou essas palavras só podem pronunciar-se numa
sucessão temporal. As relações associativas são de caráter mental: a mente faz
aproximar termos que apresentam algum aspecto comum, capta alguma relação que
pode unir esses termos.
As relações
sintagmáticas e as relações associativas de Ferdinand de Saussure correspondem
aos dois modos de arranjos de que nos fala o linguista russo Roman Jakobson: a combinação ou eixo sintagmático e a seleção
ou eixo paradigmático. Na combinação,
os termos apresentam-se solidários, numa sequência linear, constituindo um
contexto; e este, por sua vez, é indispensável para a passagem de uma unidade
mais simples para uma mais complexa. Na seleção, o enunciador pode escolher,
dentro de um rol de termos iguais no aspecto conceitual, mas diferentes no
aspecto material, aquele que considera melhor para a formulação de sua
mensagem.
E então
vamos a um exemplo. Suponhamos que eu queira formular uma frase simples, de três
palavras apenas. Para levar a cabo esse mister, tenho a meu dispor: a) para a
posição do sujeito, garoto, jovem e rapaz; para a posição
do verbo, comprou e adquiriu; c) para a posição do
complemento verbal, carro e automóvel. Quando eu estiver
escolhendo entre esses termos aquele que
usarei para preencher cada posição, estarei operando no eixo paradigmático. Feita
a escolha e organizada a frase – assim: O rapaz comprou o carro
–, então, a operação se deu no eixo sintagmático.
Então
podemos afirmar que, ao falarmos ou escrevermos, ou seja, ao formularmos nossas
mensagens, fazemos – mesmo que não tenhamos consciência disso – seleção e
combinação de palavras, operamos nos dois eixos: no paradigmático e no
sintagmático.
Mas o que
tem tudo isso com o verbo conversar?
Vou explicar já, já. É que
embalado pelas relações associativas de Saussure e pelo eixo paradigmático de
Jakobson, penso no verbo conversar dividido em duas partes: com,
preposição que vem da forma latina cum e que expressa companhia, solidariedade, e versar,
do latim versum, que significa
volta, o outro lado.
E daí é
que, pensando no verbo conversar como acabo de expor, podemos formular a
seguinte significação: conversar é voltar, alcançar o outro lado
solidariamente, em companhia de alguém, com a ajuda de outra pessoa e
nunca isoladamente.
Pensando
assim, ao conversar, passamos – e aqui retomo o início destas linhas - para o
nosso interlocutor aquilo que sabemos e recebemos dele aquilo que ele sabe. Ou
seja, preenchemos um pouco mais o vazio interno de quem conversa conosco e, ao
mesmo tempo, temos também o nosso próprio vazio interno preenchido.
E para
fechar estas considerações, prezado leitor e prezada leitora – permitam-me um
trocadilho: “Conversar é, realmente, um barato; e não custa caro”.
* Sirley José Mendes da Silva é mestre em Comunicação e
Semiótica pela PUC-SP, doutor em Letras pela USP e professor da FAR
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